sábado, 28 de fevereiro de 2009

O Mineiro

Ele estava andando pela estrada em passos lentos... Era de manhã bem cedo. Podia sentir o cheiro úmido e verde do mato. Já era final de verão, e as noites já são mais frescas nessa época do ano. Observava cada detalhe daquele chão em que pisava. A terra vermelha, fofa, quase molhada. Andava sem direção. Não havia tido um bom sono. Precisava fazer o desjejum com uma dose de aguardente, isso era tudo que sabia.
Continuava a andar, devagar, e ia a refletir sobre sua existência, sobre suas raízes. Sempre apreciara o fato de nunca ter querido sair daquela terra. Não compreendia bem o que o prendera ali por tanto tempo. Sabia da imensidão do país, mas nunca fora atraído para qualquer outro lugar. Lembrou-se que a venda mais próxima estava ainda a alguns quilômetros, mas não se importou, não tinha pressa.
O mineiro observava tudo a seu redor. A estrada de chão o levou ao alto de uma colina de onde podia ver ao longe, em meio as montanhas, uma árvore resplandecente, encantadora. Conhecia de cor aquela imagem: era o Ipê amarelo. Lá estava imponente, um ponto de luz que brilhava na terra ao refletir do sol como as estrelas brilham no céu. Sentiu-se mais uma vez orgulhoso. Decidiu-se por sentar um momento. Fora tomado de paixão. Estava vidrado na simplicidade bucólica que se apresentava. Realmente Deus fora generoso com ele e com o lugar. Ele percebeu que só poderia ser um privilegiado por estar ali, por ter sido criado descalço em meio a toda aquela beleza.
O Homem sentiu no peito que ser mineiro era ser bicho diferente... O mineiro é quieto, calado à primeira vista. Tem a desconfiança estampada na face. Mineiro cheira as coisas antes de tocar, antes de comer. Mineiro não é bicho muito curioso, mas se descobre que é bom, vira freguês. Quando passa a conhecer o estranho, sente-se a vontade e conta toda a sua vida. Recebe em sua casa para tomar um café da tarde na cozinha, com direito a queijo, bolo de fubá e café. Ele quase pôde tocar o cheiro de café no ar, que emanava de suas lembranças. Pensou em seu pai. O pai todas as tardes voltava da roça e se sentava na varanda da casa. Tirava do bolso o fumo de rolo e o canivete, então punha-se a picar. Depois pegava a palha de milho seco, que parecia uma flor amarelada e velha. Arrancava uma pétala e com o canivete cortava um retângulo. Enrolava, passava a língua para umidecer a palha e grudar, e então acendia com um fósforo. Chamava a esposa para que lhe trouxesse o café ralo e doce de que tanto gostava. Assim era todos os dias. O ritual de seu pai. Compreendeu que esse povo é sim dado a rituais, o que reflete ser também um povo católico. Mas para além da igreja a fé esteve sempre na terra, os rituais sempre foram pagãos. Nada mais pagão que amar os cinco sentidos, ter prazer em plantar e colher. A imagem de seu pai sempre fora a de um homem soturno, mas que nunca deixara de amar os filhos, ensinando-os toda a lida da roça e da vida. Assim é o mineiro, age com amor. Fala o que precisa falar. Não desperdiça palavras.
Sentado ali fazia quase uma hora, perdido em suas divagações, foi chamado subitamente à realidade quando passou em sua frente uma capivara e suas capivarinhas. Sacudiu a cabeça e percebeu que estivera voando por mais de meia hora. Sorriu. Olhou mais uma vez as montanhas. Disse para si que mar de minas são as montanhas. Mineiro não nada, voa. Mineiro imagina. Levantou-se e pôs se a andar. Caminhou por mais meia hora e encontrou a venda. Colocou-se de frente ao balcão e pediu ao José que lhe trouxesse a pinga. Bebeu. O prazer fora tremendo. Ordenou mais uma. A sensação era carnal. Compreendera mais uma vez que fora plantado ali. Que seus pés eram raízes plantadas naquele chão... Ficou a imaginar o pão de queijo que sua mulher prepararia durante a tarde. A embriaguez do mel viera rapidamente. Foi o mineiro tirar um cochilo debaixo da goiabeira, tendo a certeza de que passara o tormento da noite. Não saberia dizer se tudo aquilo era felicidade, mas a serenidade era parte de seu ser...

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Mais do mesmo...


Falar sobre o tempo é lugar-comum, e assim o é pois se trata de uma experiência comum a todos. Logo todos falamos sobre ele. E falar sobre algo tão falado pode parecer tolice, falta de assunto... Mas o tempo é assunto eterno, atemporal. O que não se pode explicar é infinito, infinitamente intrigante.
Se engana aquele que pensa que o tempo passa... Quem passa somos nós. Quanto maior o espaço, maior o tempo. O Tempo está, nós somos. O Tempo está infinitamente, e nós somos por apenas um minúsculo período. Nosso tamanho, diante de todo o universo, beira a insignificância caso não tomemos parâmetros. E é para não sermos insignificantes que escolhemos o Outro como referência.
Todos os outros seres desse planeta apenas estão, o que os torna ideais. Eles podem até não serem eternos, mas eles não precisam de parâmetros para sustentar a sua existência. Esses seres apenas vivem, não falam. Por não falarem eles desconhecem o Tempo em seu sentido mórbido. O Tempo para esses é lugar, lugar é espaço e espaço sem referência é eterno. O Tempo está para nós pois o questionamos. Questionamos a nossa existência e queremos sempre mais.
Por mais que tentemos a nossa eternidade, por mais que criemos teorias para nossa eternidade, sempre nos restará a dúvida. Somos animais feitos de dúvida. Coisa só nossa. E esse que dúvida é o ser que sabe que não se pode segurar o tempo em suas mãos. Nossa mão é pequenina e o Tempo é imenso, não nos pertence.
Não há como eliminar o Tempo, apenas nos eliminar. Iremos e tudo continuará por aqui, universo além da imaginação. E dizer que o Tempo é lugar-comum é provar a sua espacialidade. Localizamos o tempo em nossa fala. E quanto mais dele falamos, mais perguntas teremos...

A hora da chuva

Me espera um pouco mais, vou correr na chuva. Refrescar a cabeça, umidecer o corpo, lavar a alma. Rodopiar. Provar da forma mais livre de amar: a loucura.
Me espera querendo, a imaginar. Vou dançar a liberdade, num só fôlego. Escutar a sinfonia das gotas. Voar sobre a terra lavada. Olhar de longe a beleza do nada. De longe nada existe e nada faz mais sentido do que o nada existir.
Me espera, pois dessa corrida voltarei mais bela. Voltarei mais limpa pelas águas geladas que atravessarei. E minha pele estará mais doce. E meus olhos menos vermelhos. Mas eu preciso correr.
Me espera... Sou apenas uma. Mais uma. Uma, empenhada nessa saga em construção. Vorazmente capaz de querer, voraz-mente em busca de ser livre. Livre de todos e quaisquer que sejam os julgamentos, pois o julgamento limita a corrida.
Me espera. Eu não tenho medo de sair na chuva. Vou lá gritar alto, tão alto para que Eu possa ouvir... Para que eu entenda um pouco mais de mim.
Vou refrescar a cabeça, umidecer o corpo, lavar a alma...

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Sobre a beleza...

Viver intensamente é mergulhar na imensidão. É fechar os olhos e sentir os prazeres possíveis. É ter todos os sentidos aguçados pela experiência da vida. Saborear, degustar o profundo sem vacilar.
Viver intensamente é ter coragem, é ser nobre. É ter alma de aventura. É não ligar para o tempo. Intensidade é coisa de alma que brilha. Viver a intensidade é coisa de alma corajosa.
Ser corajoso é buscar a verdade dentro de si, a vontade do seu próprio desejo. É ter equilíbrio no olhar, saber enxergar de dentro pra fora e de fora pra dentro.
Ser corajoso é ser antitético, ter medo mas enfrentá-lo. Usufruir das fontes mais regozijantes. É saber que dessa mesma fonte brota a dor. Saber que pela dor se vai mais fundo, se dirige ao desconhecido.
Ser intenso é viver brava-mente. É estar envolto em estrelas. Sentir as estrelas. Tocar as estrelas.
A intensidade é expansão. É prolongar o corpo ao universo. Possibilitar infinitas experiências. A intensidade é sensatez, pois é bom gosto.
A intensidade é amar o Ser. O Ser é ter coragem.