quarta-feira, 25 de junho de 2008

Trivial: Um passeio no futuro

Dia desses estava eu em um hiper-mercado daqueles que se encontra de tudo (coisa que eu adoro) a passear sem compromisso. Passava pela ala tecnológica... É quando me deparo com uma televisão LCD gigante (não chegava a ser gigantesca mas era o triplo das que tenho em casa) porém algo além do tamanho me chamou a atenção. Eu tentava olhar para a TV mas minha vista embaralhava. Olhei uma, duas, três vezes e deu na mesma. Pensei que meu astigmatismo havia piorado consideravelmente. Fiquei curiosa, me aproximei. Foi aí que pude ver escrito que era um exemplar de TV digital. O lugar estava montado como a sala da minha, da sua, da nossa casa.

Passava na tela uma uma imagem em três dimensões, o logotipo do fabricante. Resmunguei que assim não era interessante, a imagem embaralhada me dava enjôos e pra mim não servia. No entanto ponderei. Falei que gostaria de ver uma cena, uma novela e pessoas pois assim poderia notar alguma diferença, se é que fosse algo que saltasse aos olhos. Segundos após exprimir tal desejo surge na tela o céu. No céu surgiram balões coloridos. Assim eu me arrepiei. Meus olhos brilharam e focaram com força cada pedacinho de LCD. Que coisa magnífica! Me deslumbrei. Não conseguia acreditar no que via. A imagem era belíssima! Parecia me transportar para dentro da imensidão de cores vivas e dançantes, me seduziam em sua nitidez.

Nunca fui louca adepta à tecnologia. Sou simplesmente uma pessoa não alienada, que faz uso do que a modernidade oferece de bom e prático. Todas as mudanças aconteceram naturalmente, como deve ter sido para as pessoas da minha idade. Primeiro veio o computador. Era o máximo jogar Mortal Kombat com o Joystick pela telinha da máquina, no Windows 11.5 se não estou enganada. Depois veio a Internet. Foi muito interessante a maneira como o mundo se abriu e as coisas começaram a fazer mais sentido. Eu morava em uma pequena cidade na qual a televisão era na época o que imperava como propagador de informação (provavelmente hoje não seja diferente). Eu tinha acesso apenas ao que estava em voga. Bom, a dita rapidamente se tornou parte da rotina, mesmo com anos de conexão discada. Nesse meio tempo o celular surgiu. Era status possuir um aparelhinho, uma número particular. Assim veio o MP3, e o aparelho para tocá-lo. A fotografia digital. E para mim a tecnologia parou por aí.

Penso que daí em diante só se reformulou, reinventou, recriou o que já haviam feito. Tudo isso foi muito naturalmente absorvido pela cultura. E como vim sofrendo essas mudanças ao longo da vida, desde pequena, nada foi surpreendente (devo confessar que o mais-mais foi o MP3). E sempre que me perguntavam se imaginava que algo novo pudesse ser criado eu duvidava. Sem otimismo algum. Tenho minhas teorias e sou muito radicalmente defensora delas, quem me conhece bem sabe e as conhece. Tenho certeza de que o homem nunca foi à lua e que as baratas dominarão a humanidade, mas isso é prosa pra outra hora...

Percebi nesse dia que pude vivenciar a surpresa tecnológica. Havia um sofá e uma mulher sentada nele. Por pouco não pedi à ela que me deixasse sentar e apreciar o "portal" sozinha. Se nossas televisões precárias já são um perigo, imaginei cada ser humano com uma dessas. Não haveria quem quisesse sair de casa. Ou talvez não seria preciso. Com as paredes em LCD digital, poderíamos fazer ligações on-line por salas interativas... Bom, acho que a única vantagem seria ter a ilusão de chegar pertinho do Sawyer... Não, não assisto a série, é apenas esse homem que como qualquer inovação, salta aos olhos.

E ao me deparar com aquela imagem na gigante televisão LCD a minha vida mudou. Eu olhava e parecia ter tomado o ácido que nunca tomei. Era uma viajem alucinogéna, como se eu estivesse naquele céu a voar com os balões multicores. Me surpreendi. Entendi que alguma coisa acontece no mundo. A magnitude e a nocividade do aparelho movimentaram uma sensação de esperança e condenação. A esperança de que algo completamente inimaginável ainda possa ser inventado, e o temor de que as televisões, num futuro próximo, nos engula.

Quem sabe o famigerado tele-transportador esteja mais próximo do que imaginamos...

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Simulacro

Poder-se-ia dizer que foi aquele um dia fatídico? Nunca se saberá. Mas que o coração mudou, não há como se negar.

Ele cantou lá no fundo da alma. Era a nota certa para o coração petrificado. Uma onda de calor percorreu o peito da mulher que há muito tempo se tornara apática. O coração se encheu de esperança, pois poderia, após tanto tempo, o verão aparecer. Estava cansado e atormentado pela atmosfera cinza e melancólica que havia tomado a casa. E agora o som da beleza entoara a chegada de uma nova estação.

Era noite quando ouvira o homem cantar. A voz da insensatez, pura e demente. Não se podia dizer o que entoava, ou à quem. Um convite perturbador à todas as loucuras possíveis. O lograr da insanidade. O verão. E a mulher começou a imaginar como seria o dono da feitiçaria. Pensou em um alto homem, forte, traços finos, moreno. Depois o imaginou loiro. Castanho. Já não sabia mais. Entendeu que não faria diferença. Decidiu apressar-se antes que ele partisse. Olhou para todos os lados da rua de terra, a lua cheia iluminava bem os caminhos. Podia-se avistar de longe qualquer pessoa que passasse. Sentiu-se apreensiva pois não havia ninguém e o canto ficava cada vez mais baixo, mais longe. Foi então que o viu desfilar pela rua perpendicular. Caminhava serenamente, ao longe cruzava as esquinas. Ela se estremeceu. Pensou nos poucos segundos que tinha, no que deveria fazer. Alcançá-lo? Gritar? Desistir?

Escolheu correr ao encontro dele. Mesmo a distância podia-se ver quão alto e belo era, mas não conseguia ver com clareza o rosto. Mas ele terminara de cruzar a esquina e já desaparecia. Ela acelerou, mas quando chegou na encruzilhada havia sumido. O coração vacilou. Quis dizer qualquer coisa confortante à mulher, mas preferiu se calar.

Ela estava sem vaidade, porém o encanto a fez correr em seu quintal e apanhar algumas ervas para aromatizar suas roupas. Enfeitou-se com os velhos colares e vestiu-se de rosa. Penteou os cabelos longos e castanhos-claro. O desespero cessara. Era a hora da esperança. O sorriso ainda ensaiava sua chegada. O coração ainda não o conseguia libertar, afinal as portas estavam enferrujadas. Todas as noites sentava-se em seu jardim na ânsia de ouvi-lo outra vez. Ainda estava fresca a canção.

Mas os anos foram passando. Ela não podia segurar as horas. O calor da esperança tornava-se apenas uma brasa insignificante. O vestido amareleceu. A melodia nunca foi esquecida, e o homem desapareceu. Passaram-se muitos anos e o silêncio insistia em guerrear com aquela voz. A música parecia não mais ser a mesma, e a nota começara a desafinar.

Por muito tempo esperara ouvi-lo novamente, fazer tilintar os órgãos. Mas cansou-se. Aconteceu de o desespero voltar. O coração se rebelou e ordenou uma solução à mulher. Silêncio e desesperança eram grandes inimigos da alma. E veio a coragem. Ela tomou em suas mãos uma adaga e cravou-a no peito. O ato era dele que urgia por um caminho. Arrancou do tórax o impositor e decidiu plantá-lo e ver o que acontecia. Desejava que crescesse uma bela flor, uma rosa vermelha. Todos os dias aguava. Mas quando algo começou a crescer, não passou de gramíneas. Era fraca a semente, nem sequer ervas daninhas cresceram. Havia sido o coração plantado velho. E nada do esperado aconteceu. E a mulher também amareleceu.

O que nunca souberam é que o canto era lamentação. Nunca souberam que naquela noite se enganaram. Não conseguiram compreender que o homem chorava o fim do Amor.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Coisas de mulher

Primeira página: Senhora perde a cabeça!

Já imaginou o alvoroço naquela cidade? A Senhora saiu a andar pelas ruas, todos a olhavam. Estavam claramente assustados, constrangidos com aquela situação. A mulher caminhava e esbarrava em postes e paredes, caía e tentava se levantar. Pudera! A senhora estava sem a cabeça! Era um corpo ambulante, errante, agonizava à procura de sua preciosa caixa encefálica.

A mulher nada podia perguntar pois sua boca, como na maioria da humanidade, porém não em todos, se localizava na face. Quem a escutaria? Estavam todos apavorados com a cena e ninguém queria se aproximar. Ela não enxergava também, pois como na maioria da humanidade, seus olhos se localizavam na face. Tampouco ouvir! Cheirar! Deve-se desconsiderar o fato de nada poder degustar, pois a dona já estava demais desgostosa.

A cansada Senhora sentou-se, em qualquer lugar, e por ali ficou durante um tempo. Não havia quem reconhecesse a Senhora desfacelada. Passadas algumas horas, os locais começaram a se penalizar. Coitada daquela mulher sem cabeça! O que de ruim ela poderia fazer? Deveriam ajudá-la a encontrar uma solução! Onde estaria a cabeça da pobre? Um gênio, mais do que gênio ordinário, desses bravos de idéias repentinas, pensou em revistá-la para ver se encontrava os documentos do corpo. E, como todas as idéias de gênios, mais do que ordinárias, funcionam. A pobre não poderia ter pensado nisso antes, estava sem o suas amadas funções superiores, a cognição.

Pois bem, todos agora sabiam quem era a dona! Era aquela, daquela rua, daquela casa! Que vive ali, com aquela gente, com aqueles bichos! Foram todos depressa à casa de Dona Senhora Sem-Cabeça. Ao abrirem a porta sentiram um odor, algo muito desagradável. Um barulho que vinha da cozinha. A panela uivava! Era panela de pressão. Em consenso, abriram! Lá estava o resto de sua caixola! Era um odor putrefato! Os cabelos boiavam. E algo mais curioso, aos curiosos, geralmente gênios, chamou a atenção: estava a cabeça sem a língua!

A macabra cena era composta por um corpo errante, uma multidão mórbida e delirante, uma cabeça cozida e putrefata... Mas faltava a língua... Era claro à todos que não poderiam deixar que o corpo permanecesse assim, descabeçada. Tentaram então costurar a fétida novamente em seu lugar, mas não havia língua, a madame não poderia falar, e já estava mesmo cozida, não fazia mais sentido, era uma caixola inútil. Em um dado momento algum distraído que não se prendia ao murmurinho, escutou uma voz que vinha do quarto. Era a voz da mulher! Correram para ver o que acontecia, e assim encontram uma boneca a sussurrar. A língua! Haviam encontrado a danada! Cuidaram para que a boneca se recuperasse e pudesse explicar o que ocorrera. Com a voz da Senhora, a boneca contou que a dona já não mais aguentava falar, quanto mais falava maior era a angustia. Decidiu cortar a língua para se calar. Sem saber o que fazer com aquela coisa partida decidiu doá-la à boneca que nunca havia falado. Mas quando percebeu que nada mais podia dizer, desesperou-se. Perdeu a cabeça! Cortou-a num ato extremo de desesperança. A querida boneca, para proteger seu novo dom, resolveu cozinhar as idéias da madame. E assim foi aquela manhã tenebrosa.

A cidade, em condolência, decidiu arrumar ao corpo uma cabeça. Tiveram a brilhante idéia de decapitar o brinquedo falante e dar à mulher, costurá-la. Era mesmo a voz dela e a boneca tinha sido tão egoísta! O fizeram. Mas a mulher pouco sabia, pouco manifestava. Ficou conhecida por cabeça-pequena, pois a boneca não era proporcional aos homens. Tornou-se algo estranho, mas em sobrevida. Não tinha cérebro, falava coisas inúteis... Não era mais uma mulher.
E foi assim que a cidade aprendeu a cuidar bem de seu pescoço. E a temer bonecas.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Explorar idéias

Só pra saber. Escrever é bom pra liberar espaço de cabeças super-povoadas. Penso demais, e por que não dividir com alguém? Ou com ninguém. Só o fato de imaginar que estou a dividir minha inquietação já é interessante. Faço análise, bem não é essa a questão. Gosto de escrever e estava hoje a andar de ônibus e eram tantas palavras que estavam elas a me sufocar. Queria des-sufocar. Queria escrever. Geralmente, quando tenho uma folha à mão, e me surge uma poesia, eu a escrevo. Mas hoje não era uma poesia, era um mar de palavras. Não importa isso também. Sempre que vou escrever é assim, matalinguístico? Essa coisa chata de ficar escrevendo sobre escrever. Sou deslumbrada mesmo por palavras e ponto. Não tem muito o que se dizer sobre isso. O pior é quando a palavra te trai. Foi aí, nesse ponto, nesse doloroso ponto que minha inquietação aumentou.
Freud, O Mestre, já há um século laborou sobre o ponto em que a palavra trai. Mas o mais belo foi a importância que ele delegou a isso. Sabe quando as vezes dizemos algo que não queríamos ter dito, mas que apenas sai? E paramos, com as maçãs coradas, e pedimos desculpas? Bem, não há desculpa. Não há como se desculpar de algo no qual estás completamente implicado! Há culpa! E por isso coramos. Não há mais como consertar, aquilo já foi dito... E a palavra traiu, e pode ser que venha a angustia. Isso já é outro caso, depende do enrosco que essa palavra te colocar. Grande ambiguidade, o bem e o mal-dizer.
Qualquer que seja o lado, bem ou mal, a palavra enudece. É essa a frase que movimentou meus sentimentos essa tarde. Não há nudez maior do que a palavra. Falar é se despir, se erotizar perante o outro. Por isso os tímidos sente medo de falar. Sentem vergonha, medo de que os vejam nus... Sábios! Sabem muito das palavras, mas não querem que os peguem assim, nessa obscenidade.
E assim, quando se perde o controle das palavras, pode acontecer a agressividade. Quando se fala demais, sem controle do que saí, pode saber que tornar-se-á agressivo. É libido demais, ou se preferir, energia. Proferir, deferir... Ferir... Nem sem vestimenta há tanta precisão. As guerras seriam mais perigosas se fossem escritas, se a luta fosse uma palavra de cá, outra de lá. Os papéis se queimariam... ou seriam queimados. Há perigo na palavra.
Fazer amor ou fazer guerra, o que seria se falássemos todos a mesma língua? Por mais que assim fosse, não entenderíamos a mesma coisa. Quem disse que ouviríamos o mesmo? Brinquemos de telefone-sem-fio, antiga brincadeira, que prova todo engodo da palavra. Curioso, caso se lembre, ou se talvez fosse assim na sua rodinha de amigos, sempre surgia uma palavra obscena, certo? Ou um palavrão! É! Uma palavrinha obscena é um palavrão!
Bem, é isso... Explorar idéias... Me sinto aqui nua, depois desse... Texto! Será que alguém pensou em outra palavra? Ai ai! E finalmente, pode ser que ao escrever, ao explorar minhas idéias, a inquietação se transforme e seja uma produção. De uma mente super-povoada...