Primeira página: Senhora perde a cabeça!
Já imaginou o alvoroço naquela cidade? A Senhora saiu a andar pelas ruas, todos a olhavam. Estavam claramente assustados, constrangidos com aquela situação. A mulher caminhava e esbarrava em postes e paredes, caía e tentava se levantar. Pudera! A senhora estava sem a cabeça! Era um corpo ambulante, errante, agonizava à procura de sua preciosa caixa encefálica.
A mulher nada podia perguntar pois sua boca, como na maioria da humanidade, porém não em todos, se localizava na face. Quem a escutaria? Estavam todos apavorados com a cena e ninguém queria se aproximar. Ela não enxergava também, pois como na maioria da humanidade, seus olhos se localizavam na face. Tampouco ouvir! Cheirar! Deve-se desconsiderar o fato de nada poder degustar, pois a dona já estava demais desgostosa.
A cansada Senhora sentou-se, em qualquer lugar, e por ali ficou durante um tempo. Não havia quem reconhecesse a Senhora desfacelada. Passadas algumas horas, os locais começaram a se penalizar. Coitada daquela mulher sem cabeça! O que de ruim ela poderia fazer? Deveriam ajudá-la a encontrar uma solução! Onde estaria a cabeça da pobre? Um gênio, mais do que gênio ordinário, desses bravos de idéias repentinas, pensou em revistá-la para ver se encontrava os documentos do corpo. E, como todas as idéias de gênios, mais do que ordinárias, funcionam. A pobre não poderia ter pensado nisso antes, estava sem o suas amadas funções superiores, a cognição.
Pois bem, todos agora sabiam quem era a dona! Era aquela, daquela rua, daquela casa! Que vive ali, com aquela gente, com aqueles bichos! Foram todos depressa à casa de Dona Senhora Sem-Cabeça. Ao abrirem a porta sentiram um odor, algo muito desagradável. Um barulho que vinha da cozinha. A panela uivava! Era panela de pressão. Em consenso, abriram! Lá estava o resto de sua caixola! Era um odor putrefato! Os cabelos boiavam. E algo mais curioso, aos curiosos, geralmente gênios, chamou a atenção: estava a cabeça sem a língua!
A macabra cena era composta por um corpo errante, uma multidão mórbida e delirante, uma cabeça cozida e putrefata... Mas faltava a língua... Era claro à todos que não poderiam deixar que o corpo permanecesse assim, descabeçada. Tentaram então costurar a fétida novamente em seu lugar, mas não havia língua, a madame não poderia falar, e já estava mesmo cozida, não fazia mais sentido, era uma caixola inútil. Em um dado momento algum distraído que não se prendia ao murmurinho, escutou uma voz que vinha do quarto. Era a voz da mulher! Correram para ver o que acontecia, e assim encontram uma boneca a sussurrar. A língua! Haviam encontrado a danada! Cuidaram para que a boneca se recuperasse e pudesse explicar o que ocorrera. Com a voz da Senhora, a boneca contou que a dona já não mais aguentava falar, quanto mais falava maior era a angustia. Decidiu cortar a língua para se calar. Sem saber o que fazer com aquela coisa partida decidiu doá-la à boneca que nunca havia falado. Mas quando percebeu que nada mais podia dizer, desesperou-se. Perdeu a cabeça! Cortou-a num ato extremo de desesperança. A querida boneca, para proteger seu novo dom, resolveu cozinhar as idéias da madame. E assim foi aquela manhã tenebrosa.
A cidade, em condolência, decidiu arrumar ao corpo uma cabeça. Tiveram a brilhante idéia de decapitar o brinquedo falante e dar à mulher, costurá-la. Era mesmo a voz dela e a boneca tinha sido tão egoísta! O fizeram. Mas a mulher pouco sabia, pouco manifestava. Ficou conhecida por cabeça-pequena, pois a boneca não era proporcional aos homens. Tornou-se algo estranho, mas em sobrevida. Não tinha cérebro, falava coisas inúteis... Não era mais uma mulher.
E foi assim que a cidade aprendeu a cuidar bem de seu pescoço. E a temer bonecas.
quinta-feira, 19 de junho de 2008
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