sábado, 23 de maio de 2009

Queridas divagações

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Terminei de jantar e sentei-me em frente ao computador. 19:40. Calculei que vinte minutos seria o suficiente para que eu pudesse ir ao banho. Isso em razão de que, como uma mulher vaidosa, preciso dessas duas horas para estar pronta às dez. Vinte minutos procuro o que fazer. Tudo bem, provavelmente homens virarão os olhos com desdém, ou talvez com o simples comentário "mulheres"... Mas sou da seguinte opinião: homens que gostam de mulheres rápidas gostam de mulheres feias...
Nós, as vaidosas, precisamos de tempo... Em realidade, quando sabemos que vamos sair, desde o primeiro segundo começamos a pensar no que vestir. Examinamos todo o nosso guarda-roupa mentalmente, fazendo diferentes combinações de peças, maquiagem e assessórios. E pouco importa quanto tempo falta para esse momento em que iremos sair. Pode faltar até mesmo meses. Pra exemplificar esse questão, basta que pensem no vestido de noiva, que a mulher já idealiza quando criança, sem fazer a mínima idéia até mesmo se irá se casar. É apenas o sonho de ser importante, de ser uma mulher importante, A Mulher.
Então, na noite de sair, pensamos também qual perfume será o melhor. O mais sensual, extrovertido, misterioso... O penteado... Tudo depende das intenções, das fantasias. Por isso quando um homem diz que as mulheres se arrumam para as outras, estão errados. Nós, as vaidosas, queremos resplandecer no olhar desse homem que nos fascina. Queremos que sintam orgulho de nos ter ao lado. Queremos também que eles se sintam importantes...
Bom, dizia que aguardava o tempo passar (os vinte minutos) para dar inicio a maratona deliciosa de produzir-me. Tomar um belo banho com o sabonete que deixa a minha pele mais macia... Lavar meus longos cabelos... Depois secá-los e sentir o aroma que dele exala. Olhar no espelho, ver a tela que é o meu rosto e brincar de artista. Pintar-me com as mãos de Pintor. Tentar criar harmonia no que de fato é desarmônico por natureza, natureza humana. Quando pequena eu já me maquiava. Era mágico. Me pintava e me via linda com as tonalidades de vermelho espalhadas pela face. Me sentia artista. Não era chegada a brincar de bonecas. As bonecas pareciam sempre dormir. E eu era apaixonada por coisas vivas, um universo imenso. No interior, eu brincava descalça pelas ruas e vestida de fantasias... Tinha sacolas cheias de panos, roupas, e fantasias... Saía pela cidade assim... Me sentia uma bruxa. Sempre gostei de ser a bruxa. Aquela que tinha o poder. Raramente as fadas. Sempre a bruxa. Todo dia era essa mesma brincadeira, com diferentes fantasias. Brincava no jardim, no pomar, na praça, conversava com as árvores telepaticamente. Eu vivia na floresta. E lá na floresta era tudo encantado.
Houve um momento em que tudo isso se esvaiu. Até meu espelho tornou-se vazio. Joguei a maquiagem fora. As transformações me fizeram bruta. Mas isso já é também passado, e um tempo obscuro... Agora estou eu aqui, olhando o relógio para meu ritual particular. E gosto de me fazer escutando música obscura. Música poderosa. E nessa espera lembrei-me de algo que me fez rir de leveza... Lembrei dos dias de piscina. Eu almoçava e assim queria logo voltar a nadar. Peixe. Mas minha mãe dizia "Não pode agora! Precisa esperar pelo menos 20 minutos!" Esperar, pois caso contrário seriam graves as consequêcias... Era a tal da congestão... Não havia mesmo saída, eu morria ali esperando... Ou morreria de fato, nadando...
Isso era pra mim o inferno! Como esperar?! A água ali, azul, tão molhada, e eu fora dela! Não era justo. Vale ressaltar que isso não ocorria sempre, pois na maioria das vezes eu nada comia, pois não queria perder tempo comendo. Eu queria mesmo evitar esse intervalo de meia hora que era tão torturante! As outras crianças lá dentro e eu perdida, sem rumo, sem diversão. Vinte minutos, meia hora não tinha fim. Era quase obsessão. Não havia criatividade para pensar em outra coisa. A minha criação estava lá dentro e assim o tempo era infinito. Hoveram vezes em que ousei desafiar... Quando me lembro disso, penso em como esses mesmos minutos hoje passam num piscar de olhos. Encontro tanta coisa pra pensar em meia hora que acabo por ultrapassá-la. O Corpo mudou; internalizei o universo.
Eu já era naquele tempo adepta aos rituais. Intensamente ligada às coisas que me apaixonam. Impregnada de imensidão. Cheia de mergulhos. No meu mundo de fantasia e azul eu já sabia que não poderia mudar. Que tudo em relação à vida é uma floresta encantada, uma piscina imensamente azul... E elas não podem esperar...

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O cinismo justificável (desconstruindo a ética)

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É perspicaz atormentar o outro com a inteligência.
A fraqueza e a burrice nada conquista senão piedade.
E a piedade é patética, no sentido vulgar da palavra.
É também de grande valia usar a perspicácia para provocar.
Captar o doente das idéias pelo que mais anseia: pensar.
É sádico. Entretanto, não deixa de ser caridade.
É mostrar ao faminto a direção de seu alimento.
O instrumento é o incômodo.
Colocar o dedo na ferida narcísica.
Trata-se de dar suporte à loucura, e não ir contra a ela.
Instituir a discórdia é instigar a criação.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Febre Pagã

Febre Pagã

Eu poderia te amar.
Amar tuas palavras.
Poderia dar-te beijos doces e amargos.
Poderia mordiscar-te os lábios.

Eu poderia te amar.
Amar tuas insígnias...
Poderia colorir-te os lábios.
Poderia lamber-te a alma.

Eu poderia te amar...
Com o amar dos olhos fechados...
Com o amor da loucura...
Revestida de flores e procuras...

Eu poderia te amar.
Dar-te-ia pecados...
Servir-te-ia às instruções de Baco...
Far-te-ia romano...

Neurose, arte, frutos

Já experimentei infligir a dor na minha pele. É uma sensação curiosa e perigosa. Causar em mim a dor... Ser o meu algoz... Curiosa sensação de poder. É perigosa sensação de prazer. Escolher sofrer e poder controlar. Prazer na dor. É o gozo.
No gozar brota o impensável. Jorra a poesia, desarranja a ordem, contamina a realidade de incertezas...
É a loucura da transgressão. A mais individual das transgressões e por isso inculpável...Isso sim é transgredir a ordem, o óbvio... Se a crença é de que o prazer é constância, eis que o Mestre disse que o prazer é fruto também da desordem, do caos interno. Isso é revolucionar o raso.
É a arte fruto do caos... E se engana aquele que se julga diferente de mim. A consequência oriunda do gozo de cada um é diversa, assim o que se faz com o gozo é particularmente intrínseco à economia individual. O meus caos me transporta à um mundo de insanidade que me satisfaz. Com a dor na minha pele, produzo coisas que apaixonadamente preciso tocar. Outros apenas reclamam e repetem...
Os que se julgam além do corpo podem se decepcionar. Dentro de todos mora o masoquista... E fatídica-mente o sádico...

domingo, 17 de maio de 2009

Poeminha III

Agressão

Quebrei a escova de dentes.
Queria manter a boca suja
profanar os hipócritas.

Poeminha II

Sempre raso

Não se pode mergulhar em águas mortas.
Se está sempre raso...
Cultura não há.
Não se pode encontrar vida em águas mortas.
Lá no fundo nada é possível.
Suspensão, flutuar.
Onde não se pode mergulhar, não se pode querer...
Se está sempre raso.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Confissões II

Sou uma pessoa chata. Não sei se é bom ou ruim querer sempre estar comprometida com a verdade. É fato para mim que a verdade é algo simples, sereno. Sobre a verdade não há segredo. Ao menos pra mim isso é conceito cru, puro. Sobre a verdade basta sentir, viver. A verdade é uma só: é aquela que nos guia ao melhor caminho, não o certo ou errado, mas o melhor.
Porém isso trás complicações, obviamente. A antagonista do tema, a grande vilã: a mentira.
Ah! A mentira! Essa sim é complexa... Começo por dizer a frase mais clichê à qual poderia recorrer:
-Se dissesse que não minto estaria mentindo.
A frase é sim banal. A banalidade dessa frase indica algo curioso sobre a mentira e que a diverge (cômicamente) da verdade. A verdade é única, a mentira é multifacetada. Existem vários graus de mentira. Contamos uma mentirinha, mentira ou mentirão e assim as relacionamos com a culpa. Se a culpa é pequenina, é apenas uma mentirinha; culpa média, mentira; extremamente culpados, mentirão. Entendo que a mentira seja sempre egoísta. Não há mentira para proteger o outro. Há mentira apenas para se proteger. Quando algo é para proteger o outro entendo como omissão. Pode até ser um modo sutil de me safar da culpa dizer isso.
Ocorre que ao contrário da verdade, que porta a coragem e a bravura de não temer perder qualquer que seja o objeto, a mentira é carregada do que é vil, pois se teme perder. A mentira habita e domina o covarde, aquele que teme o outro em qualquer forma e que teme principalmente, fundamentalmente a verdade que há dentro de si.
A minha relação com a mentira é dúbia: sei que pela minha condição humana estou também sujeita a mentir, e por assim dizer, em ocasiões eu minto. E ao mesmo tempo repugno a mentira. No entanto parto do príncipio de que se ter consciencia de que a mentira pode surgir no decorrer da vida não me torna mentirosa. Meu compromisso é com a verdade sobre a vida, sempre buscá-la. Entendo que na vida nada se constrói com base na mentira. A mentira é feita de matéria tosca, pobre... Isso não é estrutura, nada sustenta.
Certa vez ouvi uma frase curiosa, dizia que as vezes é preciso contar algumas mentiras para se dizer uma verdade... Certamente discordo. Uma mentira só, ou a soma de mentiras jamais resultará em verdade. É uma equação impossível. De dentro de uma mentira não sai verdades. Entretanto posso entender que o inverso desta afirmação é compreensível. Acredito que as vezes é preciso dizer umas verdades para se contar uma mentira. Quando se conta uma verdade, e outra, e outra, o sentido é tão puro e limpo que se perde o controle. As verdades quando ditas podem resultar em mentira. Creio que essa é uma das formas em que eu minto. Falo a verdade uma, duas vezes, e por consequência já me peguei por perceber que no fim das contas o resultado já não era mais o programado. Já não era mais verdadeiramento o que queria dizer.
Posso dizer que a verdade e a mentira possuem isso em comum: a falta de controle. Mas quando se conta a verdade pode-se ter na carne a certeza de que o compromisso com a nobreza foi mantido. O que é nobre é a determinação de caráter. Caráter é o distintivo do ser, é aquilo que nos apresenta, é o que nos mantém... Por isso o que nos mantém deve ser feito de material nobre. Senão a casa cai...

Confissões

Se existe algo de que me envergonho é a covardia. Não direi que sou a mais brava das bravas... Assumo aqui meus momentos covardes.
Quando me deparo com a covardia a pulsar, envenenar-me, me escondo.
Me escondo na escuridão da fortaleza que venho construindo por séculos...
Não poderia permitir aos outros que vissem tal imagem. A pele seca, olhos fundos, ausência da voz. A covardia é o pior dos vícios.
O completo covarde sorri cinicamente, sem saber do que verdadeiramente ri. O cinismo é resultado imediato do não-saber. Mas não-saber não é covardia; covardia é ignorar a verdade, a verdade de que nada se sabe.
De olhos bem abertos fico assustada com a minha própria fraqueza e assim, para ignorar, procuro a escuridão. Se assim permaneço me repugno cada vez mais. O castelo é duplo em seu destino: Glórias e Tragédias. Cabe ao Rei escrever a estória.
Se digo que me envergonho particularmente desse aspecto da minha humanidade é por entender que o covarde tenta fugir de sua saga. E para mim é impensável uma vida pequena... Assumo meus momentos covardes, mas estou aqui nesse não-saber exatamente para aprender, apreender. E deixo as espadas talharem pedaços e pedaços de meu couro, e com o viço da coragem criam-se desenhos mais belos de se apreciar.
Dentro de mim não cabe covardia e coragem. Não há espaço para que coexistam; assumir não significa admitir. Momentos de fraqueza tornam o guerreiro mais forte... Envergonhar-me é o indicador, o aviso de que este caminho não é o meu. Meu caminho é obscuramente épico.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Olhos de sépia

Existem pessoas que são incomuns. Pessoas com um incômodo constante dentro de si. Pessoas que para elas não basta saber que as coisas existem, isso é pouco.
Pessoas incomuns. Elas questionam. Espertas, sabem que encontrar a resposta é uma incumbência de ordem moral, imposta de si para si mesmo, e que provavelmente não trará uma resposta fechada, una. Para elas não basta estar, é preciso exercitar o prazer que é sentido na curiosidade.
Para os incomuns, uma palavra é muito mais que um sentido apenas. É uma palavra um universo infinito de sentido e sensações. A palavra tem cheiro, sabor, textura, melodia, cor... E algo mais que transcende e que não se apreende. A palavra possui um buraco; paradoxalmente o incomum busca preenchê-lo com a própria palavra.
A Saudade é palavra ordinária... Conta um pouco do mundo desses estranhos. Estranhos seres nostálgicos que enxergam o mundo, a vida, as relações de modo diverso. O nostálgico possui olhos amarelados, não se sabe nunca se felizes ou tristes. Olhos de sépia...