Ele estava andando pela estrada em passos lentos... Era de manhã bem cedo. Podia sentir o cheiro
úmido e verde do mato. Já era final de verão, e as noites já são mais frescas nessa época do ano. Observava cada detalhe daquele chão em que pisava. A terra vermelha, fofa, quase molhada. Andava sem
direção. Não havia tido um bom sono. Precisava fazer o
desjejum com uma dose de aguardente, isso era tudo que sabia.
Continuava a andar, devagar, e ia a
refletir sobre sua existência, sobre suas raízes. Sempre apreciara o fato de nunca ter querido sair daquela terra. Não compreendia bem o que o prendera ali por tanto tempo. Sabia da imensidão do país, mas nunca
fora atraído para qualquer outro lugar. Lembrou-se que a venda mais próxima estava ainda a alguns
quilômetros, mas não se importou, não tinha pressa.
O mineiro observava tudo a seu redor. A estrada de chão o levou ao alto de uma colina de onde podia ver ao longe, em meio as montanhas, uma árvore resplandecente, encantadora. Conhecia de cor aquela imagem: era o
Ipê amarelo. Lá estava imponente, um ponto de luz que brilhava na terra ao
refletir do sol como as estrelas brilham no céu. Sentiu-se mais uma vez orgulhoso. Decidiu-se por sentar um momento.
Fora tomado de paixão. Estava vidrado na simplicidade bucólica que se apresentava. Realmente Deus
fora generoso com ele e com o lugar. Ele percebeu que só poderia ser um privilegiado por estar ali, por ter sido criado descalço em meio a toda aquela beleza.
O Homem sentiu no peito que ser mineiro era ser bicho diferente... O mineiro é quieto, calado à primeira vista. Tem a desconfiança estampada na face. Mineiro cheira as coisas antes de tocar, antes de comer. Mineiro não é bicho muito curioso, mas se descobre que é bom, vira freguês. Quando passa a conhecer o estranho, sente-se a vontade e conta toda a sua vida. Recebe em sua casa para tomar um café da tarde na cozinha, com direito a queijo, bolo de
fubá e café. Ele quase pôde tocar o cheiro de café no ar, que emanava de suas lembranças. Pensou em seu pai. O pai todas as tardes voltava da roça e se sentava na varanda da casa. Tirava do bolso o fumo de rolo e o canivete, então punha-se a picar. Depois pegava a palha de milho seco, que parecia uma flor amarelada e velha. Arrancava uma pétala e com o canivete cortava um
retângulo. Enrolava, passava a língua para
umidecer a palha e grudar, e então acendia com um fósforo. Chamava a esposa para que lhe trouxesse o café ralo e doce de que tanto gostava. Assim era todos os dias. O ritual de seu pai. Compreendeu que esse povo é sim dado a rituais, o que
reflete ser também um povo católico. Mas para além da igreja a fé esteve sempre na terra, os rituais sempre foram pagãos. Nada mais pagão que amar os cinco sentidos, ter prazer em plantar e colher. A imagem de seu pai sempre
fora a de um homem soturno, mas que nunca deixara de amar os filhos, ensinando-os toda a lida da roça e da vida. Assim é o mineiro, age com amor. Fala o que precisa falar. Não desperdiça palavras.
Sentado ali fazia quase uma hora, perdido em suas divagações, foi chamado subitamente à realidade quando passou em sua frente uma
capivara e suas
capivarinhas. Sacudiu a cabeça e percebeu que estivera voando por mais de meia hora. Sorriu. Olhou mais uma vez as montanhas.
Disse para si que mar de minas são as montanhas. Mineiro não nada, voa. Mineiro imagina. Levantou-se e pôs se a andar. Caminhou por mais meia hora e encontrou a venda. Colocou-se de frente ao balcão e pediu ao José que lhe trouxesse a pinga. Bebeu. O prazer
fora tremendo. Ordenou mais uma. A sensação era carnal. Compreendera mais uma vez que
fora plantado ali. Que seus pés eram raízes plantadas naquele chão... Ficou a imaginar o pão de queijo que sua mulher prepararia durante a tarde. A embriaguez do mel viera
rapidamente. Foi o mineiro tirar um
cochilo debaixo da goiabeira, tendo a certeza de que passara o tormento da noite. Não saberia dizer se tudo aquilo era felicidade, mas a serenidade era parte de seu ser...